Retirado de: Jornal da USP
Escrito por: Gabriele Mello
Na outra via, crianças geneticamente mais suscetíveis ao TDAH também poderiam estar em maior risco de sofrer maus-tratos
Estudo de longa duração foi capaz de identificar uma relação entre maus-tratos na infância e maior risco de desenvolver transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ao final da adolescência. No trabalho, pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e das Universidades Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Pelotas (UFPel) analisaram sintomas descritos pelas mães, ao longo da infância do filho, e pelos próprios indivíduos aos 18 anos.
Desde 2004, os pesquisadores acompanham mais de quatro mil pessoas nascidas em Pelotas, no Rio Grande do Sul. A Coorte de Pelotas 2004 coleta informações sobre o desenvolvimento físico e psicológico durante a infância, adolescência e, atualmente, o começo da vida adulta dos participantes.
De acordo com Luciana Tovo-Rodrigues, professora da UFPel e primeira autora do estudo, os resultados encontrados indicam a existência de um “mecanismo evocativo” na associação entre TDAH, genética e maus-tratos. Ou seja: um mecanismo genético gera sintomas que evocam uma resposta dos responsáveis pelas crianças. Os maus-tratos surgem como uma reação a sintomas como agitação e desatenção nas crianças, o que, por sua vez, eleva o risco de que o TDAH se desenvolva.
Alicia Matijasevich, professora do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e uma das autoras do estudo, destaca que “ter sofrido maus-tratos nos primeiros anos de vida fez com que o indivíduo tivesse mais risco de ter sintomas de TDAH e [isso se aplica] a todos os tipos de maus-tratos investigados. Maus-tratos físicos, agressão psicológica, todos eles acionaram os sintomas de TDAH”.
O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento e tem como principais sintomas a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. O transtorno atinge 7,6% das crianças no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde e os sinais geralmente são identificados na infância.
Genética e o TDAH
A análise genética dos participantes foi feita com amostras de saliva, colhidas durante a infância, e a identificação de variantes genéticas – diferenças na sequência do DNA quando comparadas às de outras pessoas – que já foram relacionadas ao TDAH em outros estudos.
As pesquisas que envolvem a relação entre sintomas e os genes do TDAH foram majoritariamente feitas em países de alta renda. Por isso, o trabalho traz mais um ponto relevante: demonstrar a relação em um país de baixa ou média renda, onde os maus-tratos contra crianças são mais comuns, de acordo com as pesquisadoras.
“A gente investigou a contribuição genética de um grupo de variantes genéticas distribuídas ao longo do genoma, que já tinham sido identificadas em populações europeias”, expõe Carolina Bonilla, também professora do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e coautora da pesquisa.
Porém, como explica Carolina, essas variantes, individualmente, têm efeitos pequenos. Por isso, são analisadas em conjunto, num “escore poligênico”, que “combina variantes genéticas e, entre elas, têm um efeito maior que cada variante [individualmente]”.
Traços e fatores compartilhados entre membros da família
A descoberta do mecanismo que relaciona TDAH, genética e maus-tratos é importante para entender como intervir de maneira eficaz. “De acordo com os nossos achados, observamos um mecanismo em que ambas as condições de agressividade e susceptibilidade ao transtorno são herdadas entre as famílias”, ressalta Luciana.
Tanto os maus-tratos quanto a predisposição genética para o TDAH poderiam ser compartilhados entre membros da mesma família, sugerindo que crianças geneticamente mais suscetíveis ao TDAH também poderiam estar em maior risco de sofrer maus-tratos.
Os resultados reforçam a necessidade de prevenção dos maus-tratos às crianças. “Essa descoberta pode direcionar políticas públicas e, também, pode auxiliar a parte clínica, para quem trata essas crianças com TDAH e as famílias, reduzindo a prevalência de TDAH e de maus-tratos na infância”, explica a pesquisadora da UFPel.
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