Retirado de: Jornal da USP
Escrito por: Antonio Carlos Quinto
Com tecnologia desenvolvida na Caverna Digital do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC), Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) de apoio à Escola Politécnica (Poli) da USP, o Instituto Jô Clemente (IJC) acaba de inaugurar o Projeto de Realidade Virtual para a inclusão de pessoas com deficiência. Iniciado neste mês de agosto, o projeto é sediado no IJC, em São Paulo. O objetivo é facilitar o cotidiano dos usuários com deficiência intelectual e/ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) e doenças raras que são atendidos no instituto, utilizando a realidade virtual e propiciando a eles experiências positivas em mobilidade urbana.
O projeto resulta da parceria entre IJC, LSI-TEC e Alstom Foundation. Os parceiros também têm a colaboração do grupo de grafite Os Três. “Há cerca de duas semanas já estamos realizando os primeiros testes com alguns usuários atendidos no IJC”, conta o pesquisador Adilson Hira, que coordena no LSI-TEC as pesquisas para o desenvolvimento da tecnologia.
O IJC trabalha na prevenção e promoção da saúde das pessoas com deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e doenças raras. Além disso, atua na inclusão social, defesa de direitos e pesquisa e inovação por meio de atividades cotidianas que são proporcionadas às pessoas atendidas no Instituto Jô Clemente.
Expedições urbanas
Dentre as diversas atividades do IJC, como conta o diretor educacional Victor Martinez, existe a chamada “expedição urbana”. “Nessa atividade levamos os usuários a passeios pela cidade de São Paulo, visitando locais como museus e pontos turísticos, utilizando sempre o transporte público. Trata-se de uma ação que visa proporcionar e incentivar a autonomia a nossos usuários”, explica o diretor. Nesses passeios, cerca de 20 usuários são sempre acompanhados por dois monitores do instituto.
E entre os trajetos, um é quase que comum a boa parte dos usuários atendidos no instituto, que é o deslocamento da sede do IJC à estação do metrô Santa Cruz, distante cerca de 1 km. “Muitos de nossos usuários são encaminhados nesse deslocamento por monitores do instituto. Importante lembrar que, em todas as atividades dos passeios e deslocamentos há, na maioria das vezes, a participação de familiares”, destaca Victor Martinez.
Ambiente virtual
A partir da necessidade de locomoção até a estação do metrô, o IJC, com apoio da Alstom Foundation – grupo francês que atua na área de infraestrutura de energia e transporte, presente na indústria de materiais ferroviários e produção de energia –, instalou em sua sede na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, um ambiente virtual que simula o trajeto até a estação do metrô Santa Cruz, na Vila Mariana.
Nas paredes do ambiente virtual, personalizadas pelo grupo de grafite Os Três, estão desenhos com elementos das ruas de São Paulo, com placas de sinalização e estação do metrô. A partir daí, no LSI-TEC, um grupo de alunos da Poli (três graduandos e outros cinco de iniciação científica) coordenado por Adilson Hira, deu início ao desenvolvimento dos óculos 3D de realidade virtual. O professor Marcelo Knörich Zuffo, diretor do Centro de Inovação da USP – Inova USP, destaca que entre os principais objetivos do projeto está a educação e a mobilidade urbana. “Trata-se de um sistema de realidade virtual que visa minimizar os riscos nos deslocamentos dos usuários daquele instituto que possuem, inclusive, dificuldades de contato social”, descreve.
Nos laboratórios do LSI-TEC, os óculos 3D foram dotados de softwares que reproduzem um alto grau de realismo e imersão. “Conseguimos simular obstáculos de uma pessoa com deficiência ao atravessar a rua, passar pelas catracas da estação e descer a escada rolante, sem os riscos do ambiente real ao longo desse percurso”, explica Adilson Hira. Para a construção do software, todo o trajeto foi filmado e adaptado aos óculos 3D.
Na sala de ambiente virtual do IJC, onde o usuário passa pelo treinamento, há a companhia de um monitor que o orienta em todo o “trajeto virtual”. Os óculos possuem um sistema de pontuação em formato de game [jogo]. “Quanto mais acertos no trajeto o usuário consegue ter, maior será a sua pontuação. Os games complementam outras terapias, fazem a experiência ser mais divertida e o aprendizado mais rápido, auxiliando na autonomia e na independência do usuário”, destaca Adilson Hira.
De usuária a funcionária
Hoje, exercendo a função de assistente de inclusão no IJC, Vitória Rosa foi atendida por seis anos no instituto. Pessoa com deficiência intelectual, ela participou do curso de preparação para o primeiro emprego, no IJC, e trabalhou em diferentes empresas. Em 2023, Victoria retornou ao Instituto Jô Clemente como funcionária. Ela destaca a importância dos passeios realizados pelas expedições urbanas. “Acho que, por conta disso, posso dizer que conheço São Paulo como a palma de minha mão”, diz orgulhosa.
Vitória participou ativamente do desenvolvimento do sistema de realidade virtual do IJC como consultora nos primeiros testes da iniciativa. “Com 16 anos eu já tinha uma boa autonomia e segurança nas minhas necessidades de mobilização”, destaca ela. Atualmente, ela tem participado de palestras e reuniões, mesmo externas ao IJC, com empresas, falando de suas experiências e sobre a importância da inclusão.
Há cerca de 11 anos atuando no instituto, Victor destaca que experiências como a de Vitória se mostram positivas no sentido de facilitar a mobilidade urbana dos usuários. “Reforço que se trata de um projeto essencialmente educacional e que pode ainda se expandir”, diz o diretor. Contudo, ele reforça que todo esse trabalho só faz sentido com a participação de familiares dos usuários.
Segundo ele, alguns usuários que eram acompanhados por um funcionário até a Estação Santa Cruz do metrô já conseguem ir sozinhos, com independência e autonomia, graças à inauguração da sala de ambiente virtual e ao software desenvolvido no LSI-TEC. “Até o final do ano, atingiremos a meta de 900 usuários atendidos”, acredita Victor.
Sobre o IJC
O Instituto Jô Clemente (IJC) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que há mais de 63 anos promove saúde e qualidade de vida às pessoas com deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e doenças raras, além de apoiar a sua inclusão social e a defesa de direitos, disseminando conhecimento por meio de pesquisas científicas.
O IJC propicia o desenvolvimento de habilidades e potencialidades que favoreçam a escolaridade e o emprego apoiado, além de oferecer assessoria jurídica às famílias sobre os direitos das pessoas com deficiência intelectual.
Pioneiro no teste do pezinho no Brasil e credenciado pelo Ministério da Saúde como Serviço de Referência em Triagem Neonatal, o Laboratório do Instituto Jô Clemente (IJC) é o maior do Brasil em número de exames realizados e oferece, atualmente, 100% do teste do pezinho ampliado na rede pública do município de São Paulo, contemplando o diagnóstico precoce de cerca de 50 doenças, incluindo dezenas de condições raras e quase 70% dos exames do teste do pezinho no Estado de São Paulo, contemplando sete doenças (toxoplasmose, a 7ª doença, em implantação). É também um centro de referência no tratamento de fenilcetonúria, deficiência de biotinidase e hipotireoidismo congênito, doenças detectadas no teste do pezinho que podem evoluir para a deficiência intelectual se não tratadas corretamente.
Além disso, o instituto produz e difunde conhecimento sobre deficiência intelectual, TEA e doenças raras. Um dos focos é apoiar e desenvolver projetos de pesquisa aplicada, tecnológica e de inovação, em parceria com órgãos públicos ou privados e instituições de ensino e pesquisa, com o objetivo de gerar conhecimento para estudos, informações para as pessoas, produtos, serviços e novos modelos de negócio para a organização.
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