Revisitando o mar com a cadeira anfíbia após a lesão medular

Há oito anos meu pai é paraplégico devido a uma lesão medular, desde então aprendemos a viver de forma diferente, tendo mais empatia por situações que antes não faziam parte do nosso cotidiano. Na minha família sempre tivemos a tradição de viajarmos para as praias do litoral de São Paulo, nos períodos de férias, esse era sempre um momento em que toda a família se reunia, pois quanto mais gente melhor, não é mesmo?
Depois de todas as dificuldades iniciais após a lesão, já tendo em parte nos adaptado à essa nova vida, resolvemos tentar voltar as tradições familiares. Eis então que surge o primeiro desafio.., como iriamos para praia com meu pai em uma cadeira de rodas? A maioria dos locais não tem acessibilidade, principalmente nos locais onde costumávamos a ficar.
A primeira viagem que meu pai fez foi com a irmã dele, que alugou uma casa em Ubatuba que contava, de certa forma, com um nível razoável de acessibilidade. Havia um caminho rígido pelo qual ele podia se locomover com a cadeira de rodas, desde a casa até bem próximo a praia, porém, a partir daí, não havia cadeiras adaptadas para que ele pudesse entrar no mar.
Em 2018, viajamos para Santos (Praia Grande) e lá encontramos uma praia acessível, a Guilhermina. Lá eles possuem as cadeiras anfíbias que possibilita a pessoa com deficiência física a se locomover de maneira mais “fácil” na areia, proporcionando assim, a possibilidade de entrar no mar.
No ano em que fomos, a logística funcionava da seguinte forma: era necessário deixar um documento de identidade retido no local e poderíamos utilizar a cadeira quantas horas fossem necessárias sem nenhum custo. Assim fizemos, trocamos meu pai de cadeira e fomos descer para a praia, porém, nada é tão simples quanto parece. Apesar da cadeira anfíbia oferecer a possibilidade de entrar no mar, isso não quer dizer que ela torna isso acessível. Não havia nenhum monitor para ajudar durante os dias que ficamos lá, portanto tínhamos que conduzir a cadeira anfíbia sozinhos. A cadeira precisa ser conduzida por alguém, e quando ela está na areia, ela se torna extremamente pesada. Toda vez que íamos atravessar aquela parte da praia com areia fofa, era necessário pedir ajuda para as pessoas, sendo necessárias de 4 a 5 pessoas para empurrá-la.
Ou seja, a acessibilidade proporcionada pela cadeira deve vir acompanhada de muitas pessoas dispostas a ajudar a pessoa com deficiência física, tirando assim toda a autonomia que a acessibilidade deveria de fato oferecer. Porém uma coisa, ainda que tão pequena e cheia de obstáculos, pode fazer toda a diferença. Até hoje, meu pai relata que aquela foi para ele uma das melhores experiências após sua lesão medular, pois já havia ido à praia várias vezes, mas não tinha conseguido em nenhuma delas de fato entrar no mar. Então vale a pena passar por todas essas barreiras e obstáculos para levar seu familiar, parente ou amigo, para experimentar o gostinho do mar novamente, para fazê-lo sentir-se próximo das experiencias anteriores, deixando de enxergar assim a lesão medular como um problema e sim como uma nova condição de saúde e de vida.
Medidas de acessibilidade simples, como o caso da cadeira anfíbia, mesmo que não eliminem todos os obstáculos, podem proporcionar a pessoa com deficiência física, experiências as quais ela imagina que nunca mais viverá. Dessa forma, nessa sociedade onde tudo é um obstáculo, esperamos que cada vez mais, pequenas medidas como a relatada nesse texto, sejam implementadas não só nas atividades cotidianas, mas também no acesso ao lazer.

Saiba mais :

http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/programa-praia-acessivel-oferece-apoio-a-portadores-de-deficiencia/

https://www.atribuna.com.br/cidades/praiagrande/programa-praia-acess%C3%ADvel-oferece-cadeiras-anf%C3%ADbias-em-praia-grande-1.11426.

Autores: 

Maria Lorena Teodoro – Enfermeira pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Mestranda pelo Departamento de Enfermagem Fundamental da EERP-USP.  

ProfªDraª Soraia Assad NasbineRabeh. Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 

ProfªDraªMarislei Sanches Panobianco. Enfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e de Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.  

ProfªDraª Fabiana Faleiros Santana Castro. Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 

2 thoughts on “Revisitando o mar com a cadeira anfíbia após a lesão medular

    • Letícia says:

      Olá, agradecemos pelo seu retorno!
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      Equipe D+Informação

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