Mielomeningocele: Por que tomar ácido fólico antes de engravidar?

Escrito por: Reinaldo Martins Machado Neto
Médico, Residente de Neurocirurgia da Santa Casa de Misericórdia de Limeira e Fundação Centro Médico de Campinas, SP. (http://lattes.cnpq.br/6904604270044697)

Mielomeningocele, também chamada de espinha bífida, é uma malformação do embrião durante o início da gestação ocorrendo entre a 3ª e 4ª semana gerando um defeito no fechamento do tubo neural que forma parte do sistema nervoso como um todo, abrangendo a coluna vertebral e medula espinhal. Esta malformação pode ocorrer desde a região do crânio (encefalocele, por exemplo) ou da coluna cervical até na região lombar. Pode vir associado à outras anormalidades do sistema nervoso, mais comumente associada à hidrocefalia, que é um acúmulo do líquor que fica no entorno do cérebro e coluna vertebral. Tem uma incidência aproximada de 1 a cada 2000 nascidos vivos.
As causas são multifatoriais, estudos evidenciam associação de baixas condições socioeconômicas, idade materna inferior a 19 anos ou superior a 40 anos, diabetes, obesidade, dentre outros, tudo convergindo em um ponto em comum, a via metabólica da vitamina B9 (ácido fólico) e da glicose, seja por fatores genéticos ou do próprio meio ambiente. Por conta disso, há a indicação bem estabelecida de suplementar ácido fólico 3 meses antes de uma gravidez planejada, até os 3 primeiros meses da gestação. A ideia é que a vitamina seja tomada antes, justamente, porque o defeito ocorre já entre a 3ª e 4ª semana de gestação, ou seja, precisaria de um nível adequado da vitamina logo no início da gravidez para evitar a malformação. Visando essa proteção, desde 2002 há a adição de ácido fólico nas farinhas no Brasil, no intuito de manter a população com níveis adequados da vitamina no organismo. Há alguns estudos mostrando impacto na diminuição da incidência de espinha bífida, com alguma variação regional, a depender da aquisição domiciliar média de farinha e derivados, que pode ser discrepante em alguns estados do país.
Quanto ao diagnóstico, atualmente contamos com exames de triagem pré-natal para defeitos de fechamento de tubo neural (DFTN), como são conhecidas as malformações deste tipo no geral. A ultrassonografia no primeiro trimestre, realizada idealmente entre 11-13 semanas, pode avaliar o risco de malformação fetal ou alterações cromossômicas, não sendo também específico para DFTN. No segundo trimestre há o “exame morfológico”, entre 20-22 semanas, que por meio de ultrassonografia consegue detectar com um pouco mais de acurácia as malformações como a espinha bífida. Uma vez diagnosticada, havendo necessidade de exame complementar, pode ser realizada uma ressonância magnética. Há outros métodos, como a dosagem sanguínea de alfa-fetoproteína e a punção com agulha intra-uterina, conhecida com aminiocentese, mas os exames de imagem são superiores a tais métodos.
A tendência atual é oferecer tratamento a todos portadores do defeito que não tenham outras malformações incompatíveis com a vida. O tratamento precoce é muito importante, evitando infecções, como meningites, e sangramento intracerebral, visando também proteger a medula espinhal que fica exposta. Por isso o atendimento maternoinfantil adequado permite o diagnóstico em tempo hábil e a programação cirúrgica mais viável. As cirurgias tendem a ser realizadas nas primeiras 48h de vida. A criança é submetida à anestesia geral no centro cirúrgico e é realizado um procedimento para fechamento da falha, no caso da espinha bífida, é feito uma correção soltando as raízes da medula espinhal presas, fechando as membranas que recobrem a medula, fechando músculo e pele para que a medula não se mantenha exposta. Estudos associam a isso uma redução de mortalidade, diminuição do risco de infecção e menor comprometimento motor.
Aproximadamente 80% dessas crianças vão cursar com hidrocefalia e necessitarão de derivação ventricular (derivação ventriculoperitoneal), que consiste na colocação de uma espécie de drenagem auxiliar no interior do cérebro para que o líquor que circula no entorno do sistema nervoso não fique represado, comprimindo o cérebro, prejudicando a formação e desenvolvimento do próprio cérebro. Há alguns hospitais em que geralmente colocam essa válvula no mesmo momento da cirurgia da correção do defeito da espinha bífida, desde que a criança cumpra os requisitos necessários.
Além da correção tradicional com a cirurgia pós-natal, em casos selecionados, com muitos pré-requisitos, há a possibilidade de correção intraútero, por volta da 28ª semana de gestação, diminuindo a exposição de medula espinhal ao ambiente intrauterino. Evidenciou-se que no grupo operado pré-natal tinha uma necessidade de cirurgia de derivação ventriculoperitoneal devido à hidrocefalia de 40% em comparação com os 80% do grupo da cirurgia pós-natal. Há também um melhor resultado na função motora. Geralmente nascem mais prematuros, em média com 34 semanas. No entanto, tal procedimento requer um grande centro de referência com equipes multidisciplinares bem treinadas. Como os requisitos para que uma mãe seja candidata a tal procedimento são muito específicos, não é uma cirurgia realizada com tanta frequência como a cirurgia pós-natal.

Figura 1 – Primeira imagem, recém-nascido com mielomeningocele na região lombar, com menos de 48 horas de vida. Segunda imagem, pós-operatório com correção da malformação. Arquivo pessoal de dr. Elias Sathler, neurocirurgião.

Crianças com espinha bífida podem evoluir com deslocamento de quadril, deformidade nos membros inferiores, escoliose, entre outros, necessitando reabilitação muito específica para evitar o encurtamento muscular, contraturas musculares e deformidades nos membros inferiores. Por vezes até necessitará de correção cirúrgica ortopédica. Defeitos na região lombar e sacral podem causar incontinência urinária, por vezes não conseguindo esvaziamento completo da bexiga. Pode, inclusive, evoluir com constipação crônica e/ou diarreias com necessidade de treinamento de evacuação. O atraso no desenvolvimento neuropsicomotor pode ser notado através da falta de controle da cabeça e tórax, principalmente se associado à hidrocefalia.

Podem ocorrer complicações tardias, até mais ou menos 20 anos de idade, com o desenvolvimento do que é conhecido como medula presa, em 10 a 30% dos casos, gerando fraqueza progressiva nas pernas, piora no caminhar, escoliose, dor, deformidade ortopédica e disfunção urinária. Uma vez diagnosticada no seguimento multidisciplinar, pode ser submetida a cirurgia para liberação da medula, deixando de progredir os sintomas ou até mesmo melhorando.

Sendo assim, um planejamento pré-natal adequado, com suplementação de ácido fólico pode evitar esse tipo de malformação no bebê, segundo a Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde recomendam a dose de 0,4mg/dia por pelo menos 30 dias antes da concepção até o primeiro trimestre de gestação. E para mulheres com antecedente de malformações congênitas recomenda-se a dose de 5mg/dia a fim de reduzir o risco de novas malformações. No entanto, nos casos em que a malformação ocorre, o manejo maternoinfantil durante a gestação e a equipe multidisciplinar são cruciais para a qualidade de vida da criança e da família.

Referências

ZAMBELLI, Helder. Cirurgia fetal na mielomeningocele. In: OLIVEIRA, Ricardo Santos de; MACHADO, Hélio Rubens. Neurocirurgia Pediátrica: fundamentos e estratégias. Rio de Janeiro: Di Livros Editora, 2009. p. 51-59.

SALOMÃO, José Francisco M.; BELLAS, Antônio R. Mielomeningocele. In: OLIVEIRA, Ricardo Santos de; MACHADO, Hélio Rubens. Neurocirurgia Pediátrica: fundamentos e estratégias. Rio de Janeiro: Di Livros Editora, 2009. p. 61-67.

BIZZI, J. W. J.; MACHADO, Alessandro. Mielomeningocele: conceitos básicos e avanços recentes / Meningomielocele: basic concepts and recent advances. Jornal Brasileiro de Neurocirurgia, v. 23, n. 2, p. 138-151, 2012. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-655804. Acesso em: 17 mar. 2025.

FARIA, T. C. C.; CAVALHEIRO, Sergio; HISABA, Wagner J.; MORON, A. F.; TORLONI, M. R.; OLIVEIRA, A. L. B.; BORGES, C. P. Melhora em função motora e necessidade reduzida de shunts pós-natais em crianças submetidas a cirurgia fetal uterina da mielomeningocele. Arquivos de Neuropsiquiatria, v. 71, n. 9B, p. 730-735, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/anp/a/dMDRmqXHKmMhvjXKnHmzMjR/abstract/?lang=pt&format=html. Acesso em: 17 mar. 2025.

SANTOS, C. M. T.; PEREIRA, C. U.; SANTOS, E. A. S.; MONTEIRO, J. T. S. Reabilitação na mielomeningocele. RBM – Revista Brasileira de Medicina, São Paulo, v. 64, n. 11, p. 518-520, nov. 2007. Disponível em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=3670. Acesso em: 17 mar. 2025.

Leia também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo