Desde os períodos mais antigos da história, os surdos, isto é, pessoas que apresentam uma perda auditiva de cunho sensorial (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005), foram classificados de inúmeras maneiras pejorativas, no período da antiguidade (4000 a.c e 476 d.c), por exemplo, acreditavam que não eram competentes, Aristóteles afirmava que a linguagem era o que moldava a humanidade, portanto, o surdo acabava sendo considerado não humano (MOURA; HARRISON, 2005). Esse paradigma continuou na Idade Média, uma vez que eles não conseguiam falar os sacramentos da igreja (MOURA; HARRISON, 2005).
Essa perspectiva histórica é relevante, dado que ela explica as dificuldades que existem para a prestação de cuidados humanizados voltado às pessoas surdas, visto que até a década de 1940 essas pessoas ainda eram vistas como inválidas, onde se existia uma política de exclusão e segregação (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005), portanto, essa visão preconceituosa se perpetuou por milênios e a quebra desse estigma ainda é recente e, por vezes, ele ainda está presente.
Somente durante os períodos de 1950 a 1980 que aconteceram avanços voltados aos surdos, onde iniciaram os movimentos de inclusão para que fossem com êxito integrados, porém, quando não acontecia essa inserção na sociedade, eles eram marginalizados novamente (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
Sabe-se ainda que são poucos profissionais que possuem domínio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), o que acaba prejudicando a assistência adequada, uma vez que para o processo de inclusão ocorrer torna-se necessária a aceitação e o respeito pela diversidade, assim como a presença de intérpretes no atendimento (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
A linguagem de sinais é da modalidade visuo-espacial, sendo reconhecida como língua, e não é um problema da pessoa surda ou uma patologia (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005), estando presente, inclusive, nos cinco continentes e variando de acordo com o país e região. Além disso, neurobiologicamente, a pessoa que se comunica através da LIBRAS tem as mesmas estruturas cerebrais estimuladas que a das línguas oralizadas (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
Embora considere todos os aspectos supracitados, a LIBRAS ainda não é reconhecida por muitos brasileiros. Um exemplo disso é que quando uma criança nasce e é considerada surda, ocorre encaminhamentos dentro da equipe médica para oralizar esse recém-nascido (HARRISON, s.d.), entretanto, não se é apresentada a possibilidade da comunicação através das LIBRAS. Dessa maneira, algumas pessoas surdas passam tempos sem aprender LIBRAS e possuem uma dificuldade ainda maior de se comunicar, sendo que poderiam ter aprendido durante a infância.
Há um relato de um paciente que tinha grandes queimaduras na pele e estava internado no hospital público, ele ficava quieto e achavam que ele não estava com dor por não verbalizar isso. Contudo, após um longo período, descobriram que, na verdade, ele sentia bastante dor, mas a equipe multidisciplinar não tinha percebido isso, pois ele não era oralizado (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
Pode-se pensar em negligência por partes dos profissionais, uma vez que ninguém desconfiou que o rapaz que não falava pudesse ser surdo, além disso, a comunicação não é apenas verbal, ela também é não-verbal, podendo ocorrer até pelas expressões faciais e quando alguém sente dor, isso fica estampado na face. Logo, a comunicação não-vebal é bastante importante para um cuidado digno e eficiente, sendo assim, o profissional que avalia somente pela comunicação verbal possui falhas em seu atendimento (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005).
Geralmente, o médico acaba passando 1 vez por dia no quarto do paciente, quase não tendo contato, o enfermeiro, por sua vez, fica no posto de enfermagem com inúmeros papéis, a pessoa mais próxima usualmente é o técnico, mas esse vive uma sobrecarga de trabalho, assumindo inúmeros pacientes, por isso, o cuidado fica à deriva. Nessa perspectiva, ter a mesma cidadania e contemplar culturas parecidas não garante que o surdo tenha seu direito ao Sistema Único de Saúde (SUS) igual ao de outras pessoas oralizadas (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005). Vale destacar que as pesquisas sobre o uso de LIBRAS pelos profissionais são escassas e somente a linguagem não verbal é insuficiente para a criação de um vínculo.
Sendo assim, uma forma de garantir a inclusão das pessoas surdas é que elas sejam contempladas pelos princípios humanistas pregados pelo sistema de saúde, bem como exista o preparo dos profissionais para que possam atendê-las (CHAVEIRO; BARBOSA, 2005), garantindo os princípios de universalização, integralidade e participação no SUS (BRASIL, 2020). Assim como se houve avanços na área da educação preparando professores para uma educação que pratica a inclusão e também a presença de intérpretes, por meio da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007), podem ocorrer também o preparo das unidades básicas de saúde, de pronto atendimento e também dos hospitais para receber essas pessoas.
Referências
BRASIL. MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf.
BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e como funciona. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/sus-estrutura-principios-e-como-funciona. Acesso em: 23 out. 2022.
CHAVEIRO, N.; BARBOSA, M. A. Assistência ao surdo na área de saúde como fator de inclusão social. Rev Esc Enferm Usp, Goiânia, v. 4, n. 39, p.417-422, jul. 2005.
HARRISON, K.M.P. O momento do diagnóstico de surdez e as possibilidades de encaminhamento. In: LACERDA, C.B.F.de; NAKAMURA, H.; LIMA, M.C. (Orgs.), s.d.
MOURA, M.C.; LODI, A.C.B; HARRISON, K.M.P. História e Educação: o surdo, a oralidade e o uso de sinais. In: LOPES FILHO, O. (Ed.). Tratado de Fonoaudiologia. 2a ed. Ribeirão Preto: Tecmedd, 2005. p. 341-364.